quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

João Gilberto Noll



Considero João Gilberto Noll um dos maiores escritores brasileiros vivos. Dado o tamanho da fortuna crítica de sua obra, inclusive acessível na Internet, não me estenderei aqui a respeito. Creio que a impressionante qualidade de sua prosa deve falar por si mesma. Segue um exemplo, o conto João, extraído do livro A Máquina de Ser:






domingo, 26 de dezembro de 2010

2 exemplos aos poetas desviados de plantão, ou "o fim da picada: ficar bêbado de um copo d'água"

Quero compartilhar dois textos curtíssimos, um trecho de Cabral e uma resposta de Raduan Nassar a entrevistador. Os textos se complementam. Tenho-os como exemplos e pretendo-os duas belíssimas bofetadas aos poetas (políticos) desviados de plantão:


Cultivar o deserto
como um pomar às avessas
.....................
onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio.


Pergunta a Raduan: Por que essa atitude de recusa radical em relação à teorias literárias? Você acredita que um autor possa dispensá-las? 


Resposta: Suponho que exista em toda obra uma teoria subjacente do autor, podendo ser apreendida pelos que eventualmente se interessem por ela. Mas quando um escritor faz a exposição da sua teoria, para suprir de significados uma poética que não consegue falar por ela mesma, acontece aí um evidente desajuste. A poética pretende ser revolucionária por desestruturar a linguagem convencional, só que seu autor, para explicá-la, acaba se socorrendo da mesma linguagem que usamos para pedir um copo d'água, o que é o fim da picada. Ou então a teoria tem cumulativamente caráter programático com o claro objetivo de arregimentar seguidores. Mas, nesse caso, o miolo da questão é outro. Seria mais sensato então que esse escritor fundasse um partido político. Sem rodeios.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

os moradores da cidade



máquinas

a repetir (aranhas)

não têm raiva

não amam

pq sabem

humanos não se matam

se desmontam


ontem cientistas in

formaram crianças

precisam de 10 horas de sono/dia

(mão de obra onírica)

perguntaram ao yahoo

pq o pq

ao q ele não soube responder

depois

com ironia tautológica

pq ele não soube responder ao pq do pq

d’outra feita

por que a letra p não é considerada um p

oema 

já que ambíngua  e uma vez que o objetivo da poesia segundo os formalistas russos é tornar perceptível a  textura de uma palavra em todos os seus aspectos – Umberto Eco, Obra Aberta, p. 85, nota de rodapé

perguntaram

por que ficamos irritados quando não nos escutam

seria a língua em revolta pelo assassinato de palavras jogadas ao vento?

mas atirar pérolas a porcos não faz mal

eles ao menos as escutam

(em fones de ouvido)

e as veem  

(em cristal líquido)

mas

é claro

não tiraram as consequências da resposta

(desconhecem o conselho de Heidegger

que

segundo Harold Bloom no prefácio do seu A Angústia da Influência

disse que é preciso pensar uma ideia

e apenas uma

e pensá-la até o fim)

qual seja

que nos sobredetermina a língua

– ela nos constitui –

e

sendo assim

que melhor seria segui-la com ardor

como os poetas

e não com torpor

ignorando-se o destino

como os ratos e as crianças do Flautista de Hamelin

os quais ignoravam

sobretudo

a verdadeira identidade

dos moradores da cidade



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

voyager





enquanto ardo

a conta gotas

preso ao chão

a Voyager se livra de tudo 

sol

terra

a 61.000 km/h


o tempo não existe

mas o atrito com o espaço

mata

na unha


impossível ficar parado


mesmo a morte requer gestos

(o fim

um destino

em que se tem que chegar)


se eu fosse o faroleiro de Henryk Sienkiewicz

não escreveria mais poemas sobre solidão

que é uma forma de nada e portanto

uma forma de morte

do que escrevo agora

na escuridão da cidade


mas aqui eu só sou ignorado em minha presença

enquanto lá

lembrariam de mim

e navios afundariam






sábado, 4 de dezembro de 2010

whai-tua (trecho de mandrágoragonia)





nas persianas

a mão fatiada

por um momento de calor

existe

para enxugar os cabelos

de Jeff Buckley

aparar

os de Ana C.



dṛṣṭ

uccheda-

(lavar tudo a sério)

carbono

sakalpa

(cair em si

nismo)

carbono

vāc vāc

(sexo m

oral)

carbono                               



                        a ocupação do espaço pelo humano

a ocupação do espaço humano

a ocupação do espaço

o humano



em movimento incansável até a decom

      posição final


on           das

off


baleias de gente

no vácuo

das menores vastas dist

       ânsias


tentá(ó)culinks

po(l)vo

kana

loa

magnum (oct)opus


o

dharmachakra


homens choram

.......
.......

homens choram

em silêncio

e sozinhos

apesar dos vizinhos
.......
.......

terça-feira, 23 de novembro de 2010

sede


……………………………

……………………………

findo o choque das carnes

resta sangue e suor

ainda que rosa e brilho

nos lábios mordidos



segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cidade aTravessa 8, celebração da poesia em Sampa

Aconteceu na Casa das Rosas, Sampa, dia 19 passado: minha primeira leitura pública, para uma platéia espetacular (E. M. de Castro e Melo, um Márcio-André digitalizado [direto de Portugal via teleconferência), Victor Paes, Ronaldo Ferrito, Ademir Demarchi, Pipol, Flávio Viegas Amoreira, Fabiano Calixto...).

O evento foi belíssimo, e contou com leituras e performances interessantíssimas (destaque para a fantástica performance de Marcelo Ariel, que certamente provocou o primeiro incêndio de guarda-chuva da história da Casa das Rosas, provavelmente da Avenida Paulista, quem sabe de São Paulo...).

Se eu já estava nervoso, fiquei ainda mais quando inesperadamente Márcio-André me convocou para abrir o evento com minha leitura, que, embora curta, trancorreu sem problemas. Graças a essa participação antecipada, meu brother Pérsio, que me acompanhava, não teve tempo de operar a máquina fotográfica, o que me levou a roubar as seguintes fotos do álbum do Facebook de Edson Bueno de Camargo e do Blog Radioativo de Márcio-André:



Eu confundindo microfone com instrumento de sopro


Victo Paes invocando La Fée Vert



Márcio-Virtual-André


Platéia extraordinaire 


Performance de Marcelo Ariel, antes do incêndio


Performance de Lúcia Rosa


Leitura de Pipol


E. M. de Castro e Melo, figura simpatissíssima

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Cidade aTravessa 8

Pessoal, Cidade aTravessa de encerramento de ano (e década), em Sampa, Casa das Rosas. Muita gente e poesia interessantes, também estarei lá, fazendo uma leitura. Quem puder, compareça!


sábado, 13 de novembro de 2010

vida loka




enquanto velhos transformam o fim em filas

mortoboys

é nóis

desmaterializam-se em atrito

incandescentes


cela-canto





poetas

peixes pré-históricos

praias remotas


à noite

luas de estátuas

gatos

olhos antigos

a antiga cidade dos telhados


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

estrondam (trecho inédito de mandrágoragonia)





estrondam

th

trovões

under

xamante

rra


rra

men

ta

rma

na tundra

ma

nadas

de

ma

                        mutes

re

tumba

m

percus(ã)o

para

sacrofício

somgue

hit

ual

áugures

tabu

a

p

onte(m)

ent(r)

em

pos


supernova






ouro

outrora estrela


outro

minério de mim

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

como navios

desejos desembocam no horizonte

mas nuvens

conhecem tudo entre o céu e a terra:

a eternidade dos gatos que desfaz infâncias…

os sonhos negros dos velhos

que consentem as cores às roupas dos jovens…

a solidão

que é cegueira e surdez

(somente casais escutam o oceano)

este meu desejo e de outros tantos:

que ela fosse eterna ou feita de alumínio


Leitura de um poema de Haroldo de Campos escrito por Márcio-André





     Neste texto eu gostaria de compartilhar uma experiência de leitura incomum. Trata-se de uma leitura do poema 1984: ano 1, era de Orwell, de Haroldo de Campos. Eis o poema:

enquanto os mortais
aceleram urânio
a borboleta
por um dia imortal
elabora seu vôo ciclâmen

     Não procurarei, por ora, as causas exatas (isto é, estilísticas, imagéticas, entre outras) desta minha experiência, mas o fato foi que, ao percorrer estas poucas linhas, tive a sensação estranhíssima de estar lendo um texto do poeta Márcio-André, e não o poema, que eu já conhecia e relera inúmeras vezes, de Haroldo de Campos.
     Mais estranho: não me pareceu este um dos melhores textos do poeta carioca. Era como se Haroldo de Campos, neste exemplo particularíssimo de sua multifária obra e estilística, tivesse previsto ou imitado a obra que apenas Márcio-André realizaria plenamente, gerações depois, ligando ao seu nome a expressão estética máxima daquele modo de fazer poético que eu descreveria, muito resumidamente e grosso modo, como a (des)construção cíclica de objetos, experiências e mundos a partir do mais peculiar e potente modo de se conjugar imagens, ideias e palavras (como coisas em si, a la Mallarmé e concretos) de que se tem notícia neste nosso início de século.
     Vejamos, a título de aproximação e exemplo para o leitor que desconhece a obra do poeta radioativo, o poema O Reflexo, extraído do livro Intradoxos:

um mar modula nuvens de metal

na areia-lâmina o homem
ghia o reflexo de uma bicicleta pelo céu

o olho-vagem de um felino
retém o escheleto de uma árvore
rachaduras em sua retina

a lua é uma pedra de carne seca
encuanto o próprio carvão não aceita aderências de luz

um ângulo mais agudo – o avesso
o lado oco da morte

     Vejamos agora, em zoom in imagético, trecho do poema Mecanismos, do mesmo livro:

a]        butter-flyes
– a lacustre-asa-jóia –
           na faca
           do capim-navalha

           vegetal-água a
           fatias de papel manteiga

b]        a borboleta reflete-se em asas

     Interessa-nos o trecho – por si só um poema completo – como um todo, mas atentemos a princípio para a preciosidade e beleza sublimes da metáfora “a lacustre-asa-jóia”; para o que eu chamaria de símile ideogrâmico, “fatias de papel manteiga”, cujo mecanismo de base seria a elipse; finalmente para o último verso, inegável pedra-de-toque, para usar um termo caro a Haroldo.
     De lado a sugestão de uma leitura comparada dos textos citados, retorno à minha estranha leitura do primeiro deles. De imediato notei que experimentava um modo de interpretação descrito por Harold Bloom em seu famoso e controverso A Angústia da Influência. Gosto muito de Bloom e me identifico com sua paixão pelas letras, mas como quase todo mundo, tenho minhas discordâncias com o bardólatra, o que não vem ao caso. Importa eu ter experimentado justamente a mais incomum e inacreditável das proporções revisionárias de sua teoria da poesia, aquela que ele denomina apophrades, ou retorno dos mortos, e explica da seguinte maneira:

A apophrades, os dias tristes ou desafortunados nos quais os mortos voltam a habitar suas antigas casas, ocorre aos poetas mais fortes, mas com os muito mais fortes dá-se um grande e final movimento revisionário, que purifica até mesmo esse último influxo… Pois todos eles conseguem um estilo que capta e curiosamente retém prioridade sobre seus precursores, de modo que se subverte a tirania do tempo, e pode-se acreditar, por momentos de pasmo, que estão sendo imitados por seus ancestrais.

     A frase “por momentos de pasmo” resume à perfeição o que senti durante esta minha leitura do poema 1984: ano 1, era de Orwell, de Márcio-André.


a máquina de subentendidos



tênis feito de chi

(made in china)

um laço

uma criança mumificada em cardaços


dominado o espaço físico

engolido o sapo da incapacidade de se explorar o espaço sideral

inventou-se o espaço virtual

sob desmedida

absolutamente dom(in)ável


subentende-se a máquina


subentende-se a miséria


subentende-se a corrupção


subentende-se a vaidade


subentende-se a ambição


subentende-se a ideia de que tudo é subentendido

subentende-se o subentendido (mesmo que) propriamente dito 


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